basta ter sentimentos,
basta ter coração.
Precisa saber falar e
calar, sobretudo saber ouvir.
Tem que gostar de poesia,
de madrugada, de pássaros,
de sol, de lua, de canto,
dos ventos
e das canções da brisa.
Deve ter amor, um grande
amor por alguém,
ou então sentir falta de
não ter esse amor.
Deve amar o próximo e
respeitar
a dor que os passantes
levam consigo.
Deve guardar segredo sem
se sacrificar.
Não é preciso que seja de
primeira mão,
nem é imprescindível que
seja de segunda mão.
Pode já ter sido
enganado,
pois todos os amigos são
enganados.
Não é preciso que seja
puro, nem que seja de todo impuro,
mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo
de perdê-lo e,
no caso de assim não ser,
deve sentir o grande
vazio que isso deixa.
Deve ter ressonâncias
humanas,
seu principal objetivo
deve ser o de ser amigo.
Deve sentir pena das
pessoas tristes e
compreender o imenso
vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e
lamentar
os que não puderam
nascer.
Que saiba conversar de
coisas simples,
de orvalho, de grandes
chuvas
e de recordações da
infância.
Precisa-se de um amigo
para não enlouquecer,
para contar o que se viu
de belo e triste durante o dia,
dos anseios e das
realizações, dos sonhos e da realidade.
Deve gostar das ruas
desertas, de poças de água
e dos caminhos molhados,
de beira de estrada,
de mato depois da chuva,
de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo
que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já se tenha um
amigo.
Precisa-se de um amigo
para se parar de chorar.
Para não se viver
debruçado no passado
em busca de memórias
perdidas.
Que bata nos ombros
sorrindo e chorando,
mas que nos chame de
amigo,
para se ter consciência
de que ainda se vive.
Adaptação do Texto de
Carlos Drumond de Andrade
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